Shakira teve a certeza desde criança que chegaria a ser uma artista famosa e que sua voz, de um vibrato forte que a manteve fora do grupo do coral de sua escola, seria o ingresso para uma viagem ao sucesso, mesmo que o começo não fosse fácil. Certamente, apesar de sempre haver acreditado em si mesma, inclusive quando produtores duvidaram de seu talento, não pôde prever que a mulher que subia descalça a promocionar seu terceiro álbum de estúdio se transformasse ao longo de 28 anos de trajetória, em uma das cantoras latinoamericanas mais relevantes de todos os tempos.
Os que estiveram presentes no palco do Teatro Nacional La Castellana, em Bogotá, em 1995, lembram um ato disruptivo e inapagável em sua memória, em uma cidade que sempre se preocupou com as formas. A cantora colombiana Shakira tirou as botas que usava, depois de dois álbuns que foram um fracasso comercial e cantou Pies descalzos, a música que questionava as imposições sociais e que dá nome ao álbum que atingiu vendas de mais de 4 milhões de cópias e 500 milhões de visualizações no Spotify.
Algumas das músicas que o compõem, como Dónde Estás Corazón?, Estoy Aqui, Antologia e Un Poco de Amor, foram hinos de uma geração, que também abraçou a imagem de uma artista que se sentia próxima e que, sem grandes pretensões e nenhum tipo de calçado, subia ao palco com um jeans preto e uma blusa da mesma cor, para cantar as melodias que preparariam seu caminho para o sucesso, acompanhada por uma longa e volumosa juba negra, que se movia esplendidamente de um lado para o outro do palco.
Para aqueles de nós que cresceram com os primeiros álbuns que a lançaram no estrelato internacional, como Pies Descalzos, Dónde Están Los Ladrones e Fijación Oral, é inevitável olhar para trás com uma dose irreparável de nostalgia por aquela Shakira e pelo estilo com que se apresentou ao mundo. Sua voz, as letras de suas canções e seus estilos eram uma postura de irreverência diante das normas estabelecidas do que uma cantora famosa deveria ser e do jeito que ela deveria olhar para tornar seus sonhos possíveis. A cantora colombiana mostrou que pode fazer do seu jeito.
O visual de Shakira na era dos Pies Descalzos
Antes de ser reconhecida, a nativa de Barranquilla gravou dois discos de estúdio quando tinha apenas 16 anos, porém devido às baixas vendas não causaram grande impacto e estão esgotados. Magia e Peligro nem sequer fazem parte de sua discografia oficial, por isso são considerados uma relíquia da música latina. Foi até o início dos anos 90 o marco histórico em sua carreira musical.
O jornalista cultural León Giraldo conheceu Shakira naquela época e explica sobre esse material que era realmente uma novidade: ‘Escutava aqueles sons do rock em espanhol da época e as letras autobiográficas e os incorporava ao pop, mas com uma estética aparentemente mais descuidada, entre urbano e bucólico’. Essa união de gêneros, as melodias pop que se misturavam com as guitarras despreocupadas do rock alternativo, lembrava outro álbum icônico estrelado por Alanis Morissette, com Jagged Little Pill em 1995.
Assim como as melodias da cantora canadense não saíram de moda, tampouco o look casual que ela usava nos anos 90, que tinha semelhanças com o de Shakira. Básico largo geralmente combinado com calças largas ou de couro, bem como suéteres confortáveis como o que vimos no vídeo de Ironic. No entanto, quando ela não estava usando essas peças grandes, Alanis Morissette ia para o outro lado das tendências da época para usar blusas de renda transparente e vestidos curtos. Seus longos cabelos negros sempre foram seu acessório mais importante.
Shakira de cabelos pretos em Pies Descalzos
A comparação entre as duas artistas foi uma constante, não só pelas semelhanças em suas músicas, mas também por seus olhares. Nas capas de seus álbuns, ambas exibem longos cabelos negros. Shakira às vezes o preferia reto e outras vezes ondulado, sempre apostando em criar dimensão. Naquela época, jeans ligeiramente alargados, eram o básico no guarda-roupa. Entre seus melhores acessórios estavam os tops curtos ou os tops que mostravam parte de seu abdômen.
Pode-se argumentar que a moda dos anos 90 não acabou, mas aquele estilo que ambas cantoras usavam, um tanto andrógino, é uma constante que dominou as passarelas nas últimas temporadas de 2021. As casas de design The Row, Gucci e Saint Laurent são um exemplo disso, que incorporaram calças sociais, blazers e casacos de alto volume tanto para mulheres quanto para homens. Da mesma forma, o cabelo comprido continua a ser um dos looks mais usados desde 2020 devido à sua baixa manutenção.
Essa combinação recorrente e despreocupada foi uma das favoritas entre outros artistas que começaram a surgir na mesma década, como Britney Spears, Christina Aguilera, Thalia ou Selena; no entanto, o que separava Shakira das demais é que tanto as calças rasgadas que ela usava, quanto as recortadas, eram predominantemente em cores escuras, sendo o preto seu tom preferido na época.
O visual grunge de Shakira na era dos Pies Descalzos
Esta paleta de cores escuras combinada com um jogo de sombras esfumadas, sobrancelhas finas, ideal para transmitir aquela vibração rochosa. Além dos penteados com tranças que eram muito repetidos por seus seguidores, como aquele super fino que cruzava sua testa. Saias compridas e calças de couro eram outras de suas grandes aliadas, que às vezes usava com tênis, sandálias ou botas de cano alto.
O grunge é um subgênero do rock alternativo que surgiu no início dos anos 90 e que foi promovido por grupos como Nirvana, Green River e Pearl Jam e teve forte influência no estilo de Shakira, que não mudou a cor dos cabelos até a chegada a partir de 2000, quando ela optou por um tom avermelhado (antes de ser loira platinada) e começou a usá-lo ondulado em seu comprimento XL característico. Em seguida, passou a misturar elementos árabes em suas melodias, herança que vem de seu pai, William Mebarak Chadid, de origem libanesa.
Nessa época, Marc Jacobs, antes de ser despedido de Perry Ellis, apresentou sua coleção de primavera em 1993, que também reflete o que estava acontecendo no mundo da música dominado tanto pelo rádio, quanto pela MTV. O estilista americano tinha na época 29 anos e optou por transmitir essa moda grunge com camisas de flanela, saias estampadas, vestidos longos e calças largas, complementadas por botas Dr. Martens e chapéus de tricô. Isso fez com que ele perdesse o emprego, mas a coleção se tornou um marco cultural.
Mesmo com tonalidades de rock com vestimentas metálicas, Shakira passa a buscar um estilo que foi batizado de cigano-pop e fica evidente o surgimento de outras cores em seus looks, além de tops e saias longas, muitas delas decoradas com acessórios que marcavam melhor os movimentos do quadril que Shakira executava durante seus shows. Seu estilo foi uma fusão de correntes que marcaram essa primeira etapa e que a acompanharam de forma mais sutil nos anos subsequentes.
História de Antología, a música mais popular de Shakira em espanhol
Antologia foi o quinto single de Pies descalzos e uma das músicas mais icônicas de Shakira dos anos 90. ‘Escrevi essa música quando tinha 17 anos. Sim, porque aos 15 já tinha me apaixonado. Acho que você sabe disso e, se souber, quero ouvir. Chama-se Antologia e é assim … ‘, anunciou a intérprete colombiana em sua turnê do álbum Fijación Oral em dezembro de 2006.
A balada pop escrita por ela e produzida por Luis Fernando Ochoa foi um estrondoso sucesso comercial, porém não possui videoclipe próprio. Mesmo assim, é uma das canções mais próximas do coração de Shakira, que várias vezes já assinalou que é uma das canções mais bonitas que já cantou. Durante o Festival de Viña del Mar, em 1997, ela se apresentou vestindo uma camisa de manga comprida estampada em verde, leggings com efeito de couro preto e um par de botinas pretas com plataforma.
Pode parecer um salto quântico, mas foi uma das primeiras pedras a marcar o caminho que a levaria a intermináveis marcos musicais durante sua carreira. A garota de 18 anos com cabelos pretos e tranças teria um dos momentos mais relevantes de sua carreira em 2020, estrelando o show do intervalo do Super Bowl LIV com Jennifer Lopez, evento que foi visto por mais de 104,1 milhões de telespectadores.